O TEMA DA ESCRAVIDÃO
Publicado em 1883, doze anos após a morte do autor, Os Escravos reúne as composições antiescravagistas de Castro Alves, entre elas, os famosos poemas abolicionistas “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”.
Castro Alves não foi o
primeiro poeta romântico a tratar do tema da escravidão. Antes dele, Gonçalves
Dias, Fagundes Varela e outros abordaram a questão. No entanto, nenhum poeta
foi mais veemente e engajado à causa social e humanitária do abolicionismo como
ele. Castro Alves procurou aprofundar as implicações humanas da escravatura
adequando a sua eloquência condoreira à luta abolicionista. Retrata o escravo
de modo romanticamente trágico para despertar a sociedade, habituada a três
séculos de escravidão, para o que há de mais desumano neste regime. O maior
exemplo deste retrato está em A Cachoeira de Paulo Afonso, longo poema
narrativo, escrito em 1870, que conta a história de amor de dois escravos,
Lucas e Maria, pintada com fortes cores dramáticas.
CONDOREIRISMO
Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república. Os poetas condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Vitor Hugo - o Condoreiríssimo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo. Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese (científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal, metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas.
Castro Alves foi o principal e mais popular representante do estilo romântico que predominou na poesia brasileira entre 1850 e 1870, denominado condoreiro por Capistrano de Abreu (1853-1927). É caracterizado por uma poesia retórica, repleta de hipérboles e antíteses, em que se destacam os temas sociais e políticos, principalmente a defesa da abolição da escravatura e a apologia da república. Os poetas condoreiros foram influenciados diretamente pela poesia social de Vitor Hugo - o Condoreiríssimo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um de seus símbolos mais frequentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a denominação dada ao estilo. Outros poetas, como Tobias Barreto (1839-1889), José Bonifácio, o Moço (1827-1886) e Pedro de Calasãs (1837-1874) cultivaram e defenderam o condoreirismo enquanto poesia de tese (científica), pública, política, rimando artigos de fundo de jornal, metrificando manifestos do abolicionismo e proclamações republicanas.
As marcas do estilo
Poucos poetas utilizaram, na Língua Portuguesa, tantas reticências, travessões e pontos de exclamação quanto Castro Alves. A cada página do livro, os exemplos se sucedem:
Pesa-me a vida!… está deserto o Forum!
E o tédio!… o tédio!… que infernal idéia!
Poucos poetas utilizaram, na Língua Portuguesa, tantas reticências, travessões e pontos de exclamação quanto Castro Alves. A cada página do livro, os exemplos se sucedem:
Pesa-me a vida!… está deserto o Forum!
E o tédio!… o tédio!… que infernal idéia!
Através destes recursos
gráficos, o poeta procura reproduzir a oralidade do discurso exaltado da praça
pública ou das declamações nos palcos. As reticências apontam as pausas
dramáticas que reforçam a ênfase discursiva marcada pelos pontos de exclamação.
Já os travessões têm dupla função. Por vezes aparecem, como as reticências,
como marcas de pausa da elocução:
- Ave – te espera da lufada o açoite.
- Estrela – guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha – só te aguarda a noite,
- Pobre inocente – já maldito estás.
- Ave – te espera da lufada o açoite.
- Estrela – guia-te uma luz falaz.
- Aurora minha – só te aguarda a noite,
- Pobre inocente – já maldito estás.
Em muitos outros
momentos, aparecem como marca do discurso direto, apresentando uma fala que se
dirige a um interlocutor específico:
- “Olhai, Signora…além
dessas cortinas,
O que vedes?…” -- “Eu vejo a imensidade! …”
- “E eu vejo… a Grécia… e sobre a plaga errante
Uma virgem chorando…” – “É vossa amante?…”
- “Tu disseste-o, Condessa!” É a Liberdade!!!…
O que vedes?…” -- “Eu vejo a imensidade! …”
- “E eu vejo… a Grécia… e sobre a plaga errante
Uma virgem chorando…” – “É vossa amante?…”
- “Tu disseste-o, Condessa!” É a Liberdade!!!…
O estilo retórico
condoreiro se traduz na linguagem escrita através dos sinais de pontuação, como
as reticências, os travessões e os pontos de exclamação!...
ÊNFASE SOCIAL
Castro Alves, o maior
representante da última geração romântica, diferente dos seus predecessores,
como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o drama interior do
escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o mundo. Enquanto
que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se sobre si
mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas (ultrarromantismo),
para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do
oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de
representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos.
Portanto, a poética deve se identificar profundamente com o ritmo da vida social e expressar o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. O poeta "condoreiro" tem um papel messiânico e afinado com o seu momento histórico. Esse comprometimento faz a poesia se aproximar do discurso, incorporando a ênfase oratória e a eloquência.
Nos poemas de Os
Escravos, a poesia é suplantada pelo discurso político grandiloquente e até
verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e, muito mais, o
ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão
vertiginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma ideia. A poesia é feita
para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado, para
reforçar a idéia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante
movimento de forças antagônicas, como se nota logo no primeiro poema, “O
Século”:
O século é grande… No
espaço
Há um drama de treva e luz.
Como o Cristo – a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado,
Obumbra o manto azulado,
Das asas d’águia dos céus…
Arquejam peitos e frontes…
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz… É Deus.
Há um drama de treva e luz.
Como o Cristo – a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado,
Obumbra o manto azulado,
Das asas d’águia dos céus…
Arquejam peitos e frontes…
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz… É Deus.
Ou no célebre “O Navio
Negreiro”:
Senhor Deus dos
desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
A poesia social de
Castro Alves é caracterizada: pelo discurso retórico, declamativo; uso
exagerado de hipérboles e antíteses; acúmulo sucessivo de metáforas; movimento,
com o objetivo de demonstrar concretamente o ritmo da luta da humanidade em
busca da liberdade; e impressionante capacidade de comunicação. A poesia,
portanto, perde terreno para a propaganda política. Pragmático, o poeta usa a
poesia para levar o leitor à ação, para transformar e não só para deleitar.
Trata-se de uma arte engajada no marketing das idéias sociais e
políticas:
Quebre-se o cetro do
Papa,
Faça-se dele -- uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus.
Faça-se dele -- uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
Pra cobrir os ombros nus.
CONVITE À SENZALA
Para convencer o
ouvinte/leitor, Castro Alves convida-o a descer à senzala e conhecer o terrível
drama humano que lá se encena:
Leitor, se não tens
desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas… cuidado…
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.
(…)
Vinde ver como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus,
Ai, vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas… cuidado…
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.
(…)
Vinde ver como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus,
Ai, vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
E, assim, ao longo de Os
Escravos e A Cachoeira de Paulo Afonso, Castro Alves vai apresentando ao leitor
a vida do cativo, negro ou mestiço, sujeito à crueldade dos senhores, que
arrancam os filhos dos braços das mães para os vender, estupram as mulheres,
torturam e matam impunemente os “Homens simples, fortes, bravos…/ Hoje míseros
escravos/ Sem ar, sem luz, sem razão…” Para isso, Castro Alves não hesita em
explorar ao máximo as expressões que apelam aos sentimentos do leitor, abusando
dos vocativos, das interpelações e das evocações, como em “Vozes d’África”:
Deus! Ó Deus! Onde estás
que não respondes?
Em que mundo, em que estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?
Em que mundo, em que estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?
ou em “A Órfã na Sepultura”:
Mãe, minha voz já me
assusta…
Alguém na floresta adusta
Repete os soluços meus.
Sacode a terra… desperta!…
Ou dá-me a mesma coberta,
Minha mãe… meu céu… meu Deus…
Alguém na floresta adusta
Repete os soluços meus.
Sacode a terra… desperta!…
Ou dá-me a mesma coberta,
Minha mãe… meu céu… meu Deus…
ou, ainda, em “O
Bandolim da Desgraça”, de A Cachoeira de Paulo Afonso:
Assim, Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
Assim, Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
O NAVIO NEGREIRO
Um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, O Navio Negreiro – Tragédia no Mar foi concluída pelo poeta em São Paulo, em 1868. Quase vinte anos depois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no entanto, não vingou de todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a que eram submetidos os africanos na cruel travessia oceânica. É preciso lembrar que, em média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros completavam a viagem com vida.
Composto em seis partes, o poema alterna métricas variadas para obter o efeito rítmico mais adequado a cada situação retratada. Assim, inicia-se com versos decassílabos que representam, de forma claramente condoreira, a imensidão do mar e seu reflexo na vastidão dos céus:
“'Estamos em pleno mar...
Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Note o leitor que o
poema se inicia com a supressão da vogal E inicial da palavra Está, grafada
‘Stamos para que o poeta forme um verso decassílabo. É um recurso tipicamente
romântico: a expressão suplanta o cuidado formal. Na segunda parte do
poema, composta em versos redondilhos maiores (heptassílabos), ao seguir o
navio misterioso, pedindo emprestadas as asas do albatroz, o eu lírico escuta
as canções vindas do mar. Ao se aproximar, na terceira parte, em versos
alexandrinos, o eu lírico se horroriza com a “cena infame e vil”, descrita na
quarta parte do poema, através de versos heterossílabos, alternando
decassílabos e hexassílabos:
Era um sonho dantesco...
o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
Na quinta parte,
novamente em heptassílabos, o poeta faz um retrocesso temporal, descrevendo a
vida livre dos africanos em sua terra. Cria, assim, um contraponto dramático
com a situação dos escravos no navio. Na última estrofe Castro Alves retoma os
decassílabos do início para protestar com veemência contra a crueldade do
tráfico de escravos:
Existe um povo que a
bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Uma fonte alemã
O crítico Augusto Meyer apontou a influência do poema Das Sklavenschiff (O Navio Negreiro - 1854), do poeta romântico alemão Heinrich Heine (1797-1856), sobre a obra homônima de Castro Alves. A leitura dos verso de Heine, traduzidos pelo mesmo Augusto Meyer, não deixa dúvidas quanto à influência sobre o escritor baiano. Tanto o segmento inicial do poema brasileiro, quanto a dança macabra descrita na quarta parte, são inegáveis recriações do original alemão:
Música! Música! A
negrada
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés”.
O céu estrelado é mais nítido
Lá na translucidez da altura.
Há um espreitar de olhos curiosos
Em cada estrela que fulgura
Elas vieram ver de mais perto
No mar alto, de quando em quando,
O fosforear das ardentias.
Quebra a onda, em marulho brando.
Atrita a rabeca o piloto
Sopra na flauta o cozinheiro,
Zabumba o grumete no bombo
E o cirurgião é o corneteiro.
A negrada, machos e fêmeas,
Aos gritos, aos pulos, aos trancos,
Gira e regira: a cada passo,
Os grilhões ritmam os arrancos
E saltam, volteiam com fúria incontida,
Mais de uma linda cativa
Lúbrica, enlaça o par desnudo –
Há gemidos, na roda viva.
Suba logo para o convés!
Por gosto ou ao som da chibata
Batucará no bate-pés”.
O céu estrelado é mais nítido
Lá na translucidez da altura.
Há um espreitar de olhos curiosos
Em cada estrela que fulgura
Elas vieram ver de mais perto
No mar alto, de quando em quando,
O fosforear das ardentias.
Quebra a onda, em marulho brando.
Atrita a rabeca o piloto
Sopra na flauta o cozinheiro,
Zabumba o grumete no bombo
E o cirurgião é o corneteiro.
A negrada, machos e fêmeas,
Aos gritos, aos pulos, aos trancos,
Gira e regira: a cada passo,
Os grilhões ritmam os arrancos
E saltam, volteiam com fúria incontida,
Mais de uma linda cativa
Lúbrica, enlaça o par desnudo –
Há gemidos, na roda viva.
A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
Em 1876, sete anos antes da primeira publicação de Os Escravos, foi impressa uma edição isolada do poema A Cachoeira de Paulo Afonso. Trazia o seguinte aposto: “Poema original brasileiro. Fragmento dos – Escravos – sob o título Manuscrito de Estênio” A partir de então, muitos editores têm publicado o poema em separado, como se não fizesse parte do livro Os Escravos. Nessa edição, no entanto, seguimos a lição de Afrânio Peixoto, organizador da edição de 1938 das Obras Completas do poeta baiano, e publicamos o poema como continuação do livro. O próprio Afrânio Peixoto explica a opção:
“A Cachoeira de Paulo Afonso, fim do poema d’ Os Escravos, é aludida em carta do Poeta, de setembro de 67, em que diz só lhes “falta a descrição da Cachoeira de Paulo Afonso”. De passagem pelo Rio, no começo do ano seguinte, lê a José de Alencar A Cascata de Paulo Afonso: foi este, em certo momento o título do poema. Parece que a última demão lhe deu Castro Alves quando tornou do sul, no sertão da Bahia, por isso que lhe pôs como data definitiva: fazenda “Santa Isabel, 12 de julho de 1870 no Rosário do Orobó”. Em 76 teria edição à parte, e, daí por diante, sempre assim, até a grande edição do Cinquentenário e esta de agora em que é situada, definitivamente, como quisera o Poeta, por termo a Os Escravos.
Este poema bastaria para a glória de um grande poeta: nenhum dos nossos, do O Uruguai ao Caçador de Esmeraldas, se lhe podem comparar, sem desmerecer. Rui Barbosa, que lhe fez a primeira e admirável crítica, se aponta os primores de descritiva das paisagens e dos tipos rústicos, mostra também como “o poema do desespero do escravo deve ser esse. Ali a cólera troveja imprecações de uma grandeza bíblica; a ironia chispa como o aço de um estilete; cada frase traspassa os algozes como a ponta ervada de uma seta. Aquela fronte elevada mente humana fez-se de fera, para sacudir o vilipêndio imerecido; e aos lábios, contraídos por um amargor incomparável, crer-se-ia ver assomarem-lhe a cada palavra laivos de sangue do coração, mortalmente retalhado”. Com efeito, a tragédia íntima da escravidão se desenrola dolorosa e inconsolável no cenário estupendo da Cachoeira de Paulo Afonso, imenso palco, digno de tamanha dor humana. Esse complemento d’ Os Escravos vale por outro poema. ”
Fonte: Setanet, por : Frederico Barbosa e Sylmara Beletti
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